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8 de Agosto de 2019 Atualizado 13:56
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Anuário sabores

A nobreza do churrasco

Além dos cortes tradicionais, opções mais sofisticadas, das raças europeias Angus ou Hereford, e a japonesa Wagyu, dão nova cara ao queridinho dos brasileiros

Por Isabella Holouka

29 de junho de 2023, às 17h47 • Última atualização em 30 de junho de 2023, às 14h27

Qualquer ocasião é motivo para um bom churrasco. Uma reunião de família e amigos no fim de semana, a vitória do time do coração, aniversários e até casamentos.

Um churrasco pode ser acessível ou de alto padrão e agrada a diferentes paladares e faixas etárias, devido às inúmeras opções entre pratos principais e acompanhamentos. O costume ancestral de preparar os alimentos ao fogo evoluiu junto com a humanidade, e marca presença na cultura brasileira.

Churrasco pode ser acessível ou de alto padrão e agrada a diferentes paladares e faixas etárias – Foto: Adobe Stock

“Talvez seja a preparação, porque não se trata de um alimento específico, mais democrática que existe. Tendo fogo e um espeto para o alimento, você já tem um churrasco. É a maneira mais ancestral de preparar, além de preservar bastante o sabor do alimento. Desde que o homem dominou o fogo, ele assa as comidas assim. E cada cultura vai adaptando aos alimentos que tem à mão”, comenta Pedro Ramos, professor de gastronomia no Senac e apaixonado por churrasco. 

No Brasil, a invenção do churrasco é atribuída principalmente aos gaúchos, com origem na região dos Pampas – que além do Rio Grande do Sul, também inclui Uruguai e Argentina. Mas, segundo Pedro, tropeiros e bandeirantes teriam contribuído para a difusão.

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“Quando os imigrantes europeus começaram a vir para cá e trouxeram bovinos, a região sul se mostrou muito propícia para a produção de gado. Ao mesmo tempo, quando começaram a desbravar os territórios, os tropeiros precisavam levar comida e transportavam o alimento vivo, galinhas, ovelhas e também bovinos. Eles paravam no meio do caminho, faziam uma fogueira e assavam a carne”, conta o docente.

Com o tempo, foram surgindo novos costumes e diferentes modelos de churrasqueiras. No início, assava-se o animal inteiro. Depois, a maneira de assar as carnes foi se adaptando, com diferentes tipos de cortes

CARNES
Os cortes bovinos maminha, fraldinha, contra -filé e picanha ainda são protagonistas nos churrascos de grande parte dos brasileiros, destaca Sergio Rocha, gerente do La Grelha, restaurante e boutique de carnes em Americana.

Entretanto, hoje o mercado oferece opções mais sofisticadas, a partir de criações de alta qualidade de raças europeias como Angus ou Hereford, ou da japonesa Wagyu, que se adaptaram bem ao clima brasileiro.

O T-bone é um corte nobre retirado da parte traseira do boi – Foto: Marcelo Rocha / Liberal

“O corte não importa mais, o que importa é a raça do boi. O Angus seria para quem procura suavidade e maciez, Hereford para quem busca um sabor mais marcante. Com essas raças, você pode degustar cortes fora dos convencionais, e as pessoas estão em busca disso”, comenta, destacando o Cowboy Steak, que é o miolo do acém, e Shouder, retirado da paleta bovina, como exemplos.

Os novos cortes de animais de genética estrangeira atraem, principalmente, os clientes mais jovens e antenados ao mundo do churrasco, na avaliação de Ezequiel Mazzali dos Santos e Adriano Aurélio Henn, gerentes da Churrascaria Fogo Nobre, em Americana. Segundo eles, é cada vez menor o público que busca cortes tradicionais.

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“Quem quer saber sobre carnes encontra um repertório muito grande e tem à disposição cortes que há 10 anos o público brasileiro conhecia muito pouco, como o Tomahalk, Primerib, Shortrib, Assado de Tiras, T-bone e Flat Iron”, afirma Ezequiel, citando quatro cortes retirados das costelas, um da traseira e o último, da paleta bovina, respectivamente.

Ele opina que, embora mais timidamente, a carne suína também vem mostrando evoluções ao mercado consumidor, especialmente com a genética do Duroc, porco norte-americano que tem carne menos gordurosa e mais saborosa.

TÉCNICAS
Com a evolução da pecuária brasileira, uma grande diversidade de técnicas também ganha espaço no mercado. Dentre elas, destacam-se duas vertentes de churrasco cada vez mais presentes nos restaurantes brasileiros e da região: a argentina, com preparo na parrilla, e o american barbecue, que utiliza principalmente a defumação.

Atingir sabores, texturas e o ponto certo das carnes nobres é mais provável quando se tem um bom controle da churrasqueira – o que explica a crescente popularidade da Parrilla, típica dos pampas.

O uso deste modelo de churrasqueira é um fator importante para a entrega de carnes macias, suaves e com gosto grelhado surpreendente, destaca a chef Camila César, do Empório, Ristorante & Pizzeria Dal Giardino, em Americana.

O principal diferencial, explica Camila, é que na parrilla a lenha ou carvão são queimados separadamente, na chamada ‘firebox’. A brasa formada é puxada para debaixo da grelha, assim a carne não tem contato com o fogo. 

“Costumamos dizer: Parrilla é brasa, nunca fogo. Mas uma brasa forte é fundamental, impede que a carne fique ressecada, ela fica mais suculenta. Temos uma distância bem menor entre carne e brasa, com grelhas em várias alturas, para conseguirmos dar sabor, textura e o ponto certo em cada corte de carne. Além disso, temos uma grelha superior mais alta, para carnes já grelhadas que você queira acertar o ponto ou deixar descansando”, explica ela.

O parrilleiro André Raphael Gaspar acrescenta: “Cortes nobres e carne de qualidade garantem muito sabor, mas o manuseio e as técnicas do parrilleiro são essenciais para entregar carnes suculentas e sempre no ponto desejado”.

Já o american barbecue, churrasco tradicional nos Estados Unidos, é baseado na defumação. O método também é chamado de “Low and Slow”, expressão que remete à temperatura baixa e processo de cocção lento, devido à estrutura do equipamento, que também possui ‘firebox’ gerando calor indireto.

O diferencial é a capacidade de transformar carnes teoricamente duras em peças macias, que desmancham, com o sabor diferenciado da fumaça.

“O processo de defumação que fazemos aqui leva de três a quatro horas, na primeira etapa, quando a fumaça chega a ser um tempero na carne. Depois, a carne é embalada com um molho especial e fica por mais três horas. E então estará pronto”, revela o chef Carlos Henrique Santichio, do Restaurante Tábula, que possui formação em Pitmaster e é juiz de American BBQ pela KCBS Kansas City BBQ Society.

Ele explica que a tradição que caiu no gosto do brasileiro é servir defumados de brisket, que é um corte dianteiro bovino; ‘pulled pork’, carne de porco desfiada normalmente usada para montar sanduíches; costelinha suína e coleslaw, uma salada de repolho com cenoura e maionese.

“O american barbecue ganhou popularidade com os eventos de churrasco, que estão em alta. Já a costelinha como conhecemos, ficou muito popular com a rede de restaurantes Outback”, comenta.

Acompanhamentos. Farofa e vinagrete são acompanhamentos tradicionais do churrasco brasileiro, às vezes acompanhados por um arroz branquinho, maionese de legumes, pão de alho ou queijo grelhado.

O gerente do La Grelha diz que mesmo os acompanhamentos clássicos podem ser mais ousados, trazendo novos sabores ao churrasco. “Pode fazer uma farofa com banana da terra ou vinagrete com abacaxi, por exemplo, que fica fantástico”, sugere.

Há ainda a possibilidade de grelhar vegetais, como berinjela, abobrinha, cebola, quiabo, pimentão e abacaxi, que acabaram caindo no gosto dos clientes. “Ter legumes para grelhar no churrasco é coringa para um cardápio mais variado”, afirma.

Peixes na brasa são uma ótima opção – Foto: Adobe Stock

O suave sabor dos peixes feitos na brasa

Nem todo peixe fica bom na churrasqueira, por conta da presença de espinhos e porcentagem de gordura. Por isso, acertar na escolha é o principal segredo, opina Douglas Vendramini, gerente da Pantanal Pescados, de Santa Bárbara.

Ele recomenda peixes como pintado e filhote, peixes de rio, saborosos e não enjoativos, que podem ser assados em postas ou em cubos no espeto. “ O pessoal também gosta de assar peixes inteiros, como tambaqui, piapara, corvina e tainha. Eles têm espinhos grandes e são suaves de sabor”, completa.

Na hora de preparar, Marcela Moscatelli de Carvalho, diretora da Mediterrâneo Pescados, que tem unidades em Americana e Santa Bárbara, recomenda usar tempero pronto específico para peixes e colocar as peças diretamente na grelha.

“O papel alumínio vai cozinhar o peixe, e não assar. O tempo de assar na brasa é importante, porque se deixar muito tempo, ele pode ressecar, ficando seco e prejudicando o sabor”, ensina ela, que recomenda a adição de limão apenas na degustação, sob o risco de amargar o preparo.

Peixe na brasa é o principal chamariz do Restaurante Aimaratá, em Americana. Além dos peixes selecionados, a iguaria depende de truques e segredos na preparação. Segundo Adalberto Francisco Bernardes, conhecido como Beto Barba, gerente do estabelecimento, o processo de pré-assagem faz toda a diferença.

“Vamos virando, de tempos em tempos, com delicadeza e atenção. Depois da pré-assagem, o peixe vai para um período de descanso. Então, ele é assado novamente até o ponto de entregar para o cliente. Vamos adicionando temperos secos e molhados. Fica com um acabamento caramelizado, suculento e gostoso, com o toque do mestre churrasqueiro”, destaca.

FRANGO ASSADO
Tradicional nos almoços de domingo, o frango assado conquista pelos sabores, por ser uma boa fonte de proteína e pelo custo-benefício. Segundo Joselti Estigaribia, gerente do Restaurante & Rotisserie Frangaço, de Americana, o resultado depende da higienização do frango, do tempero individual em cada peça e do tempo para marinar antes de assar. Para fazer na churrasqueira, ele recomenda coxinha da asa, tulipa (meio da asa) e sobrecoxa desossada.

(R)evolução na cultura churrasqueira

A inserção das carnes de qualidade superior no mercado brasileiro na última década, através da importação das raças Angus, Hereford e Wagyu, vem influenciando o comportamento dos consumidores. Dignas do título de iguaria, as carnes têm características de sabor e textura únicas.

Churrasqueiros recomendam que as carnes nobres sejam apreciadas um ponto para menos – Foto: Bonfim Photography / Divulgação

A genética dos animais, somada ao manejo cuidadoso, são fatores que garantem o marmoreio da carne – característica muito procurada por ser evidência de qualidade. É o que explica Guga Nardini, um dos idealizadores do festival Bárbaros BBQ, que é referência nacional em churrasco, e sócio proprietário do Tutano Parrilla, em Americana.

Visível nos cortes crus de carnes nobres, formando uma espécie de estampa nas superfícies, o marmoreio é a gordura entremeada às fibras da carne. Existem diferentes tipos e intensidades de marmoreio. “É uma gordura que, quando colocada no fogo, derrete, vira suculência. Mas uma carne sem marmoreio não será necessariamente ruim, sem qualidade ou sem sabor”, considera Guga.

Ao passo que os cortes nobres conquistam o carinho do público, uma grande diversidade de técnicas – desde as ancestrais até as mais inovadoras – ganham espaço. “Não só o churrasco em si, mas o uso do fogo é uma redescoberta, um retorno à época dos nossos ancestrais”, comenta ele, citando as técnicas do fogo de chão e a defumação.

Reação de Maillard sela a carne grelhada – Foto: Bonfim Photography / Divulgação

O idealizador do Bárbaros BBQ lembra que muitas práticas das gerações passadas, já não são bem-vistas. Um bom exemplo é o ato de salgar a carne antes de grelhar – hoje o mais indicado pelos churrasqueiros de alto padrão é usar o sal de parrilla, que tem granulagem mais fina, somente na hora de servir, o que evita que ela desidrate e perca a suculência. 

Outro truque cada vez mais popular é o de elevar o fundo de churrasqueiras antigas e consideradas muito fundas, a partir da inspiração na parrilla. “Além de consumir menos carvão, você tem uma brasa mais fácil de controlar para o churrasco perfeito, para grelhar mesmo a carne, e não cozinhar ela”, explica Guga.

Uma vez que a carne já foi para a grelha, a reação de Maillard é uma meta a ser alcançada, pelos sabores e aspecto visual que possibilita. A reação acontece a altíssimas temperaturas, quando as proteínas desnaturadas da superfície da carne recombinam-se com os açúcares presentes na gordura. “Com a reação, você sela a superfície da carne, o líquido sai o mínimo possível, a gordura dá uma caramelizada, uma tostadinha”, descreve Guga.

A maneira de servir as carnes também vem evoluindo, ao passo que o aspecto visual conquista mais importância, com empratamentos cada vez mais sofisticados. “A gente tinha uma ideia de churrasco mais rústico, em que se cortava tudo na tábua e jogava na assadeira de alumínio para servir a galera. Hoje, o pessoal faz mais questão de montar um prato com o corte, bonitinho, com fatias simétricas mostrando tanto a reação de Maillard como também o ponto certo da carne”, afirma.

O tal ponto certo continua um debate. “Quando você passa demais uma carne, perde toda a suculência que ela tem. Quanto mais tempo ela fica no fogo, mais líquido ela perde. Nós dizemos que não é necessário comer a carne completamente crua, e em alguns casos é incomível, mas uma carne bem passada não aproveita o marmoreio, que é o que a carne nobre tem de melhor a oferecer, e pagamos caro por isso”, explica Guga.

“A carne não deve estar crua, nem bem passada demais. O ideal é o ‘ponto para menos’. A maior parte dos chefes churrasqueiros hoje preferem servir a carne com o ‘centro rosso’, ou seja, vermelhinho. Mas não julgamos quem tem o gosto pela carne bem passada”, completa.

Churrasqueiros mais experientes conseguem perceber o ponto da carne pelo toque – quanto mais firme, mais passada a carne. Mas o uso de um termômetro espeto, para medir a temperatura interna da carne, pode ser útil neste processo. 55º C é a referência para uma carne mais mal passada, enquanto 62 a 63º C já indicam o ponto mais passado.

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