ÍCONE DA MÚSICA
Rita Lee, estrela do rock nacional, morre aos 75 anos
Cantora faleceu na noite desta segunda-feira, segundo a família; ela tratava um câncer de pulmão
Por Marina Zanaki
09 de maio de 2023, às 11h13 • Última atualização em 09 de maio de 2023, às 12h33
Link da matéria: https://dev.liberal.com.br/cultura/rita-lee-estrela-do-rock-nacional-morre-aos-75-anos-1952746/
Ícone do rock nacional, a cantora Rita Lee morreu aos 75 anos, nesta segunda-feira (8). A informação foi divulgada pela família da artista nas redes sociais nesta terça-feira (9). Ela tratava um câncer de pulmão.
“Comunicamos o falecimento de Rita Lee, em sua residência, em São Paulo, capital, no fim da noite de ontem, cercada de todo o amor de sua família, como sempre desejou”, escreveu a família.
O velório será realizado no Planetário do Parque Ibirapuera na quarta-feira, das 10h às 17h, e será aberto ao público. A cantora será cremada em uma cerimônia particular.
A história de Rita Lee teve ligação com Americana e Santa Bárbara d’Oeste. Seu pai era o dentista Charles Fenley Jones, nascido em Santa Bárbara. Ele era descendente de imigrantes norte-americanos confederados estabelecidos na região.
Já a mãe era Romilda Padula, descendente de imigrantes italianos estabelecidos em Rio Claro. Rita Lee trazia no registro o sobrenome Jones, tradicional em Americana. O “Lee” foi incluído no nome das filhas como uma homenagem do pai ao general Robert E. Lee, do exército confederado americano.
Em uma entrevista, Rita Lee revelou que quase se chamou Bárbara pois seu pai era nascido em Santa Bárbara d’Oeste. Contudo, segundo a cantora, a mãe revelou que Bárbara era o nome de uma santa virgem e mártir, e o pai então decidiu mudar para Rita. “É santa também, mas casou, teve filhos”, recordou a cantora na ocasião.
Em sua autobiografia, publicada em 2016 pela Editora Globo, a cantora conta que participava da Festa dos Confederados que acontecia em Santa Bárbara – contudo, ela cita como um evento em Americana.
“De dois em dois anos, íamos a Americana participar de um evento pra lá de surreal, em que os descendentes das famílias americanas sulistas se reuniam para um piquenique no cemitério particular deles, não muito longe da cidade (…). O mais sensacional de tudo era que todos os participantes da Reunião do Campo, homens, mulheres e crianças, deveriam ir vestidos a caráter, ou seja, com figurinos confederados da época da guerra. Alguém menos avisado que passasse por lá pensaria se tratar de um episódio da série Além da Imaginação. E tudo isso acontecia entre os túmulos com o símbolo da régua e compasso, que eu achava trata-se do material escolar dos mortos. Crescer sendo brasileira entre americanos protestantes/maçons e italianos ultracatólicos me deu uma panorâmica existencial de valores e bizarrices”, escreveu Rita Lee.
A cantora nascida na capital paulista era um ícone do rock nacional, tendo sido uma das primeiras mulheres a tocar guitarra no palco. Ela integrou o psicodélico grupo Os Mutantes entre 1966 e 1972.
Já reconhecida nacionalmente, ingressou na banda Tutti Frutti a partir de 1973, mas em 1978 deu início à carreira solo, marcada pela parceria com o guitarrista Roberto de Carvalho, com quem foi casada até seu falecimento.
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Rita Lee anunciou aposentadoria dos palcos em 2012 por motivos de saúde. Em 2021, anunciou que estava em tratamento contra um câncer de pulmão, e no ano seguinte divulgou que estava curada, mas seguia reclusa em casa. Em abril, o “Altas Horas”, programa de Serginho Groisman na Rede Globo, foi inteiramente dedicado a homenageá-la.
Rainha do Rock
Rita Lee Jones de Carvalho era capricorniana (signos lhe valiam mais do que religião) de 31 de dezembro de 1947. Cantora, compositora, atriz e mais tardiamente escritora.
A chamada “Rainha do Rock” chegou a vender algo como 55 milhões de discos, ficando atrás apenas de Tonico & Tinoco, Roberto Carlos e Nelson Gonçalves.
Sua transmutação artística, nada arquitetada, foi um dos movimentos mais bem sucedidos de seu meio. Surgida na psicodelia tropicalista ao lado dos Mutantes (1966-1972), de Sergio Dias e Arnaldo Baptista, Rita migrou para um rock and roll mais ortodoxo no passo seguinte, ao lado do grupo Tutti Frutti (1973-1978), para, em seguida, partir para um som mais radiofônico, pop e latinizado com Roberto de Carvalho.
Com isso, abriu três frentes distintas e poderosas de público, não necessariamente complementares. Há os fãs da Rita seminal dos Mutantes, os fãs da Rita rock raiz e os fãs da Rita de Roberto. E há os fãs de todas as Ritas.
A Rita persona extra artística também ganhou respeito e admiração por sua coerência entre o que cantava, o que dizia e o que fazia. Outsider por força da doença nos últimos anos, mas também por uma postura muito anterior a ela, antimídia, cedendo entrevistas apenas por e-mail e avessa a exposições descabidas, trazia nas canções seu pensamento ácido, crítico, inconformado e sagaz.
Para saber o que ela pensava, no amor e fora dele, basta ouvir canções como Ovelha Negra, Mania de Você, Lança Perfume, Agora Só Falta Você, Baila Comigo, Banho de Espuma, Desculpe o Auê, Amor e Sexo, Reza, Menino Bonito, Flagra ou Doce Vampiro, entre muitas outras que se tornaram temas de novela, comerciais e hits de rádio FM.
Pedrada no passado
Sua autobiografia lançada em 2016 foi uma pedrada no próprio passado. Dona de uma escrita habilidosa, protegida de possíveis processos pelo verniz do sarcasmo, Rita destruiu desafetos como se usasse sua estrondosa voz impressa para, tantos anos depois, vingar-se.
Ao abrirmos aleatoriamente a página 127, vejamos: “o clube do Bolinha afirmava que, para fazer rock, precisava ter culhão, e eu queria provar a mim mesma que rock também se fazia com útero, ovário e sem sotaques feministas clichê”. Em uma frase, destruiu os roqueiros cueca dos anos 1970 e as feministas de engajamento de ocasião de todos os tempos.
Outra página, desta vez a 69: “eu praticamente era da família e aos poucos fui me adaptar ao fato de que se tratava de uma gente arrogante, pero generosa; palmeirense, pero não roxa; riquinha, pero pouco asseada. Avançavam na comida antes de chegar à mesa, falavam alto de boca cheia e, para meu completo nojo, bebiam no gargalo da mesma garrafa de Coca-Cola passada de mão em mão.” Ela se referia à família dos irmãos Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Se virou processo, ninguém ficou sabendo.
Fica irresistível então não retornar ao final de suas memórias, agora que Rita se faz uma ideia indestrutível de mulher. Assim saíram algumas de suas últimas palavras escritas abaixo do intertítulo Profecia: “quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que eu farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão Ovelha Negra, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a veia já tivesse morrido, kkkk’. Nenhum político se atreverá a comparecer a meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando autoharp e cantando para Deus: ‘Thank you Lord, finally sedated’ (‘obrigada Senhor, finalmente sedada’). Epitáfio: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.”
Com informações do Estadão Conteúdo