Americana, 147 anos
Enquanto a cidade dorme
Lazer e trabalho levam moradores às ruas tranquilas de Americana durante a noite
Por Isabella Holouka
27 de agosto de 2022, às 08h29 • Última atualização em 27 de agosto de 2022, às 08h30
Link da matéria: https://dev.liberal.com.br/especiais/enquanto-a-cidade-dorme-1822104/
Segunda, terça e quarta-feira são dias de ansiedade para a auxiliar de cozinha Muryel Massa, de 31 anos, moradora da Vila Santa Catarina. Já as noites são de patins. Ela descia a Avenida Cillos em direção ao Centro de Americana, às 21h40 de uma terça-feira, acompanhada do engenheiro Lucas Bueno de Campos, de 24 anos, também em patins, quando foram abordados pela reportagem.
A dupla conta que a região tem vários grupos de patinadores no WhatsApp e no Instagram, onde os encontros são marcados. Porém, de uma maneira geral, é comum ver adeptos da modalidade se reunindo na Avenida Brasil após 20h – assim como corredores e ciclistas.

“Na [Avenida] Brasil, duas ou três voltas, que dá uns 15 km, em 1h30”, aponta Muryel. Os grupos já reuniram mais de 50 pessoas nas ruas simultaneamente e o horário preferido é de noite, segundo Muryel e Lucas. Além de as ruas estarem vazias, pois raramente aparece um carro, não tem sol, o clima está mais fresco. “É mais fácil de juntar, bate os horários em que o pessoal não trabalha”, acrescenta Muryel.
“Quanto mais tarde sair para patinar, melhor”, diz Lucas. “Meia-noite é bom, porque tem zero trânsito, é ainda mais tranquilo. Os motoristas não respeitam, hoje mesmo um nos ameaçou. Falta consciência de que não temos um lugar para praticar a nossa modalidade, precisa ser na rua. Mas também tem gente que passa e elogia, acha legal”, pondera.
A mesma noite de lazer e atividade física de Muryel e Lucas é também um período de trabalho para o motoboy André Luciano Xavier de Oliveira, de 40 anos.
“Eu começo às 18h, todos os dias, e vou até meia-noite entregando esfiha, pizza, lanche, beirute, batatas-fritas, só as comidinhas boas”, ri, em frente a uma esfiharia na Avenida Iacanga, um dos poucos estabelecimentos com funcionamento 24h na cidade.
“Quem quer alguma coisa, tem que batalhar, né? Eu prefiro trabalhar à noite e gosto mesmo de ser motoboy. Acho que é o vento da noite, o friozinho da madrugada, não tem coisa melhor. Prefiro a noite do que o dia. É tranquilo, não vem ninguém na rua. Só tem que tomar cuidado com as pessoas saindo da balada, que às vezes bebem e não tem pare, não tem nada, e quem está trabalhando pode se acidentar”, completa ele, que trabalha como metalúrgico durante o dia.
O baiano Tarcísio Aécio Pereira Alcântara, de 29 anos, é sócio-proprietário da esfiharia que conta com o serviço de entrega de André. O estabelecimento ficava aberto até 4h da madrugada até pouco tempo atrás, mas os proprietários perceberam que havia uma boa demanda e que o horário de funcionamento podia ser ampliado. Nas sextas-feiras e sábados, o pico de vendas acontece por volta de 5h da madrugada.
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“Durante semana é mais entregas, o pessoal está em casa, dá fome na madrugada e pedem delivery. Final de semana vendemos mais no salão, com o pessoal que sai da balada e vem para cá comer esfiha”, detalha o proprietário.
Ele opina que, dos três turnos em que a equipe é dividida, o turno da madrugada costuma ser o pior. “A noite é puxado, sofre mais, mas o salário é melhor, adicional noturno, tudo incluso”, avalia Tarcísio, que está acompanhado da esposa, Jane Suelen Santos de Jesus, de 31 anos, e das duas filhas, de 1 e de 8 anos.
“É bem bagunçada a vida da gente, principalmente para as crianças, que começam a dormir mais tarde. Mas vale a pena. É bem mais movimentado à noite, principalmente nas madrugadas de fim de semana. O pessoal está em festa, quer comer, dá muito movimento aqui na madrugada”, comenta a mulher, em frente a uma Avenida Iacanga praticamente deserta na noite de terça-feira.
A rotina da noite é bem diferente da rotina do dia e também pode variar conforme o dia da semana, aponta Diogo Minelli, de 39 anos, controlador de acesso remoto – ou porteiro virtual, em Americana. Ele integra uma equipe com outros três profissionais que trabalham no atendimento e controle remoto de portarias de condomínios e empresas.
“De noite não temos prestadores de serviços nos condomínios, mas temos entrega de delivery e visitantes” detalha ele, apontando como horários de pico 20h e 23h.
“Condomínios com um público mais jovem têm movimento a noite toda e não têm dia para ter festa, de segunda a segunda tem algum tipo de confraternização. Já em outros condomínios, com um público mais antigo e mais família, têm um número reduzido de visitantes e durante a noite têm pouco movimento”, acrescenta o porteiro, que conta ser reconhecido pelos moradores ou funcionários através da voz, em tempos em que a profissão é realizada por câmeras e interfones.
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De acordo com Diogo, quem trabalha à noite precisa se esforçar para dormir bem durante o dia. Mesmo assim, garrafa de café e papo com os colegas de trabalho são aliados para afastar o sono. “Enquanto a grande maioria da população está retornando para as suas casas,
ou estão saindo para um happy hour, nós estamos entrando no trabalho. Pode passar despercebido para algumas pessoas, mas os trabalhos noturnos são muito importantes. Segurança, saúde, o próprio jornalismo”, argumenta o porteiro.
As madrugadas são destinadas ao trabalho há mais de 26 anos na vida de João Carlos Torette, vigilante patrimonial, de 55 anos. O morador do bairro Antonio Zanaga monitora vários bairros de Santa Bárbara, Nova Odessa e, principalmente, de Americana.
Além das rondas com a viatura da empresa, Torette também atende ocorrências, como disparos de alarmes, verificando a necessidade de acionar a Gama (Guarda Municipal de Americana) ou a PM (Polícia Militar).
Hoje em dia, o furto de cabos de energia acaba sendo a principal preocupação, mas alarmes falsos acontecem bastante. Por isso, ele define a noite americanense como tranquila. “Sozinho, vou ouvindo música a noite toda, tem noite que é cruel”, desabafa.
O vigilante opina que o movimento na cidade começa na quinta e segue na sexta e no sábado, mas que a sexta-feira é o ápice.
“No domingo, às 23h30, parece um deserto. O nosso serviço à noite é bom. Imagina se a gente precisasse rodar essas três cidades com o trânsito do dia?”, comenta o vigilante.