Anuário Sabores
Cervejas artesanais se consolidam no mercado
Apostando na variedade de sabores e aromas, elas estão atraindo cada vez mais adeptos para esse universo
Por Marina Zanaki
11 de julho de 2023, às 15h06
Link da matéria: https://dev.liberal.com.br/mais/gastronomia/cervejas-artesanais-se-consolidam-no-mercado-1972436/
O brasileiro está se apaixonando de novo por um antigo amor. Terceiro maior consumidor de cerveja do mundo, nos últimos anos o país está descobrindo as artesanais, que trazem novos sabores, aromas e nuances para a bebida alcoólica mais consumida no Brasil. O setor já se consolidou, mas especialistas ouvidos pela reportagem apostam que ainda há espaço para expandir a fatia das artesanais no mercado cervejeiro.
Quando foi fundado em 2017 para representar as cervejarias artesanais da região, o Polo Cervejeiro da RMC (Região Metropolitana de Campinas) contava com 10 empresas. Seis anos depois, são 35 associadas. Segundo Alexandre Montagnana Vicente Leme, presidente do grupo, o aumento nas adesões reflete o crescimento de cervejarias na região nos últimos anos, já que boa parte das empresas do ramo estão associadas ao Polo Cervejeiro.
“Teve também um crescimento no público. Tomando como exemplo dois eventos realizados em Campinas, a edição de 2019 reuniu entre 10 mil e 15 mil pessoas. Na última edição, em março de 2023, foram entre 30 mil e 40 mil pessoas marcando presença. Cada vez mais o público gosta de apreciar cerveja artesanal”, aposta Leme.
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ARTESANAL. Ainda que a edição mais recente do Anuário da Cerveja do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento destaque que não existe uma definição legal para cervejaria artesanal, defendendo que ela em nada difere das demais empresas do setor em relação às regras e procedimentos de registro, a diferença é clara ao paladar.
Pale Ale, Bock, Weissbier, IPA, Porter e Stout são alguns dos tipos de cervejas artesanais mais conhecidos. Diferente da tradicional Pilsen, elas são produzidas em menor escala e com processos mais caseiros. Além disso, as receitas incluem diferentes ingredientes que conferem sabores especiais. Apesar das artesanais terem se popularizado nos últimos anos e vários novos tipos terem surgido, as cervejas carregam em sua biografia traços mais caseiros do que industriais.
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HISTÓRIA. Os primeiros registros de cervejas remontam a seis mil anos na antiga civilização Suméria, que ficava no atual território do Iraque. A bebida foi mencionada pela primeira vez em um texto chamado “Hino para Ninkasi”. Acredita-se que a cerveja nasceu de um acidente, em que algum cereal foi deixado exposto à chuva e ao sol, acabou fermentando e criando um líquido alcoólico.
Fungos que são responsáveis pelo processo de fermentação, as leveduras só seriam descobertas séculos depois. Por muito tempo, portanto, o que tornava a bebida alcoólica foi um mistério – que pode ter sido atribuído à ação dos deuses. As cervejas eram fabricadas pelas mulheres como parte da culinária, em um preparo caseiro ou em tabernas.
Na Idade Média, os mosteiros precisavam ser autossuficientes, e dentro daquilo que produziam estava a cerveja. Acredita-se que a bebida era consumida como uma questão de saúde, já que a água da época com frequência causava infecções, e a cerveja supostamente ajudaria a evitar doenças.
Além do consumo próprio, os monges começaram a vender o produto, obtendo uma renda extra para a Igreja Católica. A fabricação de cerveja nos monastérios se tornou uma tradição e contribuiu para o desenvolvimento da versão moderna da bebida.
Mas a Revolução Industrial, que começou no século XVIII e mudou as formas de viver em todo o globo, também afetou a produção das cervejas. Quanto mais filtrada e clara, melhor era sua qualidade. A refrigeração, criada no século seguinte, também alterou a forma como a bebida era consumida.
Contudo, entre os anos 1970 e 1980, um movimento nos Estados Unidos e também em alguns locais da Europa começou a resgatar as antigas formas de fazer cerveja em casa. O movimento foi ganhando força e chegou ao Brasil no início dos anos 2000. Na região, uma das primeiras representantes é a Cevada Pura, em Piracicaba, inaugurada em 2001.
“As pessoas viram que não era fácil, mas era possível fazer em casa, e que fica boa de verdade. É uma cultura que se propaga rapidamente, porque as pessoas levam em festas de família, mostram para amigos, e foi se popularizando”, explicou Rafael Casarini, proprietário da Sancta Cervejaria, a primeira no ramo de Santa Bárbara d’Oeste, inaugurada há quatro anos.
Mas o que era apenas um passatempo acabou despertando uma veia empreendedora em alguns cervejeiros e ganhou seu espaço no mercado. Esse movimento ganhou força junto ao público como uma tendência de consumo.
“As cervejas artesanais integram um movimento que busca reproduzir o que era feito lá atrás. Isso vai ao encontro do fato de o consumo estar mais artesanal, o que se reflete também na procura por pães e pizzas de fermentação natural, por exemplo. Então, por que não buscar uma cerveja feita de forma mais artesanal?”, afirmou Fernanda Brito, especialista em sommelier de cerveja pelo Instituto de Cerveja Brasil e mestre em estilos.
Uma das principais marcas das cervejas artesanais é sua relação com o regional, e em cada cidade existem representantes que buscam valorizar o local.
Um dos exemplos na região é a série Barbarense, da Sancta Cervejaria, com bebidas batizadas com nomes que remetem à história da cidade, como a Sbo, uma Hop Lager leve de baixa fermentação com dryhop de lúpulo Citra; a Margarida, uma versão da Summer Ale com lúpulo Citra que cria uma combinação de frutado cítrico da levedura e do lúpulo; e a Sapezeiro, uma Session IPA com corpo leve, refrescante e uma levedura viking de origem norueguesa.

FUTURO. Apesar de enxergar o setor como já consolidado no país, a especialista Fernanda Brito avalia que ainda há potencial para expandir o mercado. Um dos maiores desafios é vencer a resistência dos amantes fiéis da Pilsen.
“A cerveja artesanal é vista pelo consumidor como algo difícil de ser tomado, acham que é muito forte, amarga, mais cara, enfim, existem alguns empecilhos no momento do consumo, por isso não tem uma fatia maior do mercado”, acredita a sommelier.
A verdade é que o mercado oferece hoje mais de 150 tipos de cervejas com características distintas que podem agradar praticamente todos os paladares. Existem as mais amargas e fortes, como a IPA e as que recebem o título Imperium, mas também são abundantes as mais leves, cítricas e até doces, como as que recebem a denominação Session e as Soeurs.
O Brasil recentemente lançou seu primeiro estilo de cerveja. Criada por catarinenses, a Catarina Sour leva frutas frescas e tem como base o trigo e a cevada. Inúmeras frutas podem ser utilizadas, podendo tornar seu sabor mais doce ou azedo. “Não é que não eram feitas Soeurs com frutas em outros lugares do mundo, mas a nossa variedade e acesso a frutas frescas deu origem a esse estilo brasileiro”, destacou Rafael.
Uma garrafa ou caneca de cerveja artesanal é mais cara, correspondendo às vezes a várias latinhas de Pilsen. Fernanda destaca que o aumento no consumo tende a ampliar a produção e, com isso, reduzir o custo ao longo do tempo. Mas ela também defende que seriam necessárias medidas fiscais mais interessantes para os pequenos produtores visando tornar os preços mais atrativos.
Entenda os parâmetros
Os rótulos de cervejas artesanais vêm acompanhados de várias informações técnicas que podem ajudar a entender as características da bebida. Veja abaixo um glossário sobre o que cada um significa. Mas lembre-se que não existe certo ou errado. Os parâmetros são um guia para entender o que mais agrada.
- IBU: Unidade do padrão internacional do amargor da cerveja. Quanto mais alto, mais ela tende a ser amarga. O cálculo leva em conta a quantidade de lúpulo e o tempo de fervura, mas tem limitações. Ele não consegue contemplar outros aspectos que influenciam no amargor da cerveja, como a carga de malte e os grãos torrados.
- ABV: Porcentagem de álcool por volume. Esse número pode variar entre 3% e 15% nas cervejas. Contudo, a percepção do álcool no sabor pode variar dependendo da receita da cerveja.
- EBC: Se refere à cor da cerveja, que pode ser mais clara ou escura. Mas atenção, esse parâmetro não se relaciona à turbidez. Uma cerveja pode ser mais escura e cristalina, ou então mais clara e turva.
- Corpo: Se refere ao “peso” da cerveja na língua, que pode ser mais aveludado e licoroso, ou então mais leve e fluido.
Contudo, a proposta das artesanais também pressupõe beber menos e melhor. “É um consumo de apreciação, consciente, mais devagar. É um outro tipo de experiência”, defende Fernanda.
Saiba mais…
- Ribeirão Lager, da Colorado: produzida em Ribeirão Preto, é uma cerveja leve e com adição de laranja, que proporciona uma experiência diferente, mas sem se distanciar muito da Pilsen.
- Goose Island: cerveja americana que tem rótulos mais suaves e encorpados.
- Cervejas do tipo Summer: levemente mais amarga que a Pilsen, apresenta uma composição mais cítrica.
- Cervejas tipo Hop Lager: uma cerveja de baixa fermentação e mais lupulada, mas que não é amarga.