Homeschooling
Educação domiciliar: um jeito diferente de ensinar
O que é homeschooling? Como deve funcionar no Brasil? O que dizem os especialistas? Lei federal deve ser publicada ainda em 2019
Por Débora de Souza
13 de novembro de 2019, às 08h52
Link da matéria: https://dev.liberal.com.br/revista-l/educacao-domiciliar-um-jeito-diferente-de-ensinar-1101958/
Uma nova modalidade de ensino deve virar realidade no Brasil ainda este ano: a Educação Domiciliar. O tema vem alimentando discussões no setor desde o início de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro assinou, no mês de abril, o projeto de lei que regulamenta a modalidade no País.
O homeschooling (como também é conhecida a prática) é uma modalidade de ensino em que pais ou tutores legais assumem o papel de professores dos filhos, em idade de 4 aos 17 anos, dispensando a necessidade destes de irem à escola. Países como EUA, Inglaterra, Finlândia e Rússia já adotam a prática.
A possibilidade de oferecer uma educação personalizada aos filhos, atendendo suas necessidades e ritmo de estudo é uma das principais motivações dos pais que optam pela Educação Domiciliar como aponta o presidente da ANED (Associação Nacional de Educação Domiciliar) e pai homeschooling, Rick Dias.
“Em 2010 eu estava muito insatisfeito com o ensino. Meus filhos sempre foram muito estudiosos e eu queria algo melhor para eles. Na época eu morava em Belo Horizonte e conheci alguns pais homeschooling. Fomos buscar informações e optamos por ensiná-los em casa. Minha filha estava com 12 anos e meu filho com 9. Ambos foram emancipados aos 16 anos e ingressaram na faculdade na primeira tentativa. Hoje eu lamento apenas por não ter conhecido a prática antes”, relata o gestor da ANED.
Acredita-se que 10 mil famílias pratiquem a Educação Domiciliar hoje no Brasil – incluindo moradores das cidades de Americana e Santa Bárbara d’Oeste –, segundo dados da associação.
Como deve funcionar no Brasil?
O conteúdo ensinado em casa deve seguir as exigências da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) – a mesma que norteia o plano pedagógico das escolas de ensino regular –, e os filhos deverão ser avaliados periodicamente. A avaliação poderá acontecer por meio de prova aplicada a cada ciclo por uma instituição de ensino previamente determinada por órgão responsável.
A necessidade ou não de matrícula dessas crianças em escola regular deve ser definida tão logo seja aprovada a lei federal. A expectativa é que seja criado um Registro Nacional onde serão cadastradas as famílias homeschooling, dispensando qualquer vínculo efetivo com a escola.
“As crianças seriam submetidas a provas anuais e às provas nacionais que já são aplicadas as demais crianças no ensino regular. As provas serão aplicadas pelo próprio sistema de ensino e a plataforma [Registro Nacional] designarão uma escola próxima da família onde acontecerão essas avaliações de desempenho”, explica o diretor de Desafios Sociais no Âmbito Familiar, setor ligado ao MDH (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), Marcelo Couto.
Atualmente, três projetos de lei tramitam no Congresso Nacional sobre o homeschooling. Enquanto a lei federal não sai, os estados se movimentam em prol da Educação Domiciliar. Em agosto deste ano, Vitória (ES) se tornou a primeira cidade a “legalizar” a prática. Em São Paulo, projeto semelhante teve parecer favorável em primeira votação na Câmara dos Deputados.
Convivência social
O Projeto de Lei 2.401/2019, que cria regras para quem prefere educar os filhos em casa, tramita no Congresso Nacional, mas há tempos divide opiniões entre pais e especialistas da área. Uma das problemáticas apontadas no homeschooling diz respeito à socialização das crianças e jovens que estudam em casa.
Para a pedagoga e doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela USP (Universidade de São Paulo), Luciene Tognetta, a modalidade precisa ser melhor discutida entre acadêmicos, cientistas, governo e população, devido às “variáveis” que implica, dentre elas, a socialização.
Para Luciene o homeschooling priva o filho do convívio com outras crianças e jovens e, portanto, dos conflitos que possam surgir no dia a dia, essenciais para o amadurecimento e autonomia. “Pesquisas mostram que as crianças aprendem em pares, em ambientes sociais e a escola ainda é o melhor espaço para isso”.
Segundo ela, a visão sobre o homeschooling é ingênua quando alguns pais optam por esse sistema a fim de evitar conflitos na escola. “O pai coloca a criança em uma redoma e a priva de experiências, de crescimento social e pessoal. Então ela cresce e vira um adulto que não sabe lidar com situações difíceis ou resolver conflitos”, argumenta.
Marcelo Couto, diretor no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, cita que a socialização dos filhos acontece na família e em espaços diversos como clubes, ambientes culturais, esportivos ou religiosos, e mesmo na vizinhança do bairro ou condomínio.
“A socialização de uma criança parece ser intrínseca à escola, mas o fato é que a ela começa primeiro na família. Estar na escola, às vezes, não quer dizer que a criança estará em contato com toda diversidade cultural e social de sua comunidade. Quem faz a opção por essa modalidade não, necessariamente, terá prejuízo na convivência social, pelo contrário, ela pode ser estimulada de outras formas”, diz Couto.
E o professor?
Os pais que assumirem a educação dos filhos em casa não precisam ser professores nem fazer alguma prova ou capacitação para tanto.
A exigência é que sejam seguidas as definições da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) disponível no site do MEC. Para Rick Dias, a Educação Domiciliar está disponível para todos. No entanto, “nem todos estão aptos”.
“O homeschooling não tem nada a ver com grupos religiosos, elitistas, ligados às pessoas especiais, nada disso. Estamos falando de pais e mães que abriram mão de suas carreiras para educar seus filhos em casa. Fazer essa opção exige uma mudança enorme na rotina e não é todo mundo que está disposto a isso”, explica.
Ainda segundo ele, os pais não ensinam conteúdo, mas ensinam os filhos a estudarem e a buscarem pelo próprio conhecimento. É vetada a prática para pessoas condenadas por crimes previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei Maria da Penha e crimes hediondos.
“Falar de Educação Domiciliar é falar da liberdade dos pais em decidirem pela melhor forma de educarem seus filhos. As escolas não são todas iguais e não educam as crianças da mesma forma, cada uma segue uma corrente pedagógica, então, a quem cabe escolher o melhor método senão àqueles que estão mais próximos da criança e os principais interessados? A batalha não é contra a escola, mas pela liberdade, pela pluralidade e participação, pela democracia. Tudo aquilo que está na Constituição”, acrescenta Marcelo Couto, diretor de Desafios Sociais no Âmbito Familiar do governo federal.